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ARTIGO

Publicado no jornal O Globo, 07/12/2012
O que Oscar nos ensinou

Oscar nos ensinou a tornar visíveis o que temos, em nós, de brasileiros: linhas, gestos, traços de personalidade. No Museu do Futebol, em São Paulo, num país tão falto e sequioso de ídolos, há uma Sala dos Heróis – aqueles brasileiros que construíram os pilares do Brasil do século 20. Ao lado do compositor Villa-Lobos, da pintora Tarsila, do pensador Mário de Andrade ou do poeta Drummond, o arquiteto Oscar desenhou o Brasil moderno que nos habita ainda hoje. Ele foi o último destes heróis. Oscar nos ensinou, antes de todos os demais, que o Brasil se tornaria mais feminino. Ele resgatou as curvas do barroco, que fizeram o apogeu de nossa arte no século 17, e fez com elas uma ponte para a vida presente. A Igreja de São Francisco da Pampulha ou a Casa do Baile acompanhavam a sinuosidade das montanhas pedregosas de Minas e criaram, em Belo Horizonte, um trampolim que fez o Brasil avançar décadas ao encontro de si mesmo, nestas nossas formas mais curvilíneas de nos expressarmos. No texto “Inventos e Fazimentos”, publicado pela Fundação Darcy Ribeiro, escrevi sobre o que Darcy e Oscar chacoalharam, descarrilharam de nosso olhar: “Juntos, inventaram a Universidade de Brasília. 


Inventaram universidades mundo afora. Inventaram o sambódromo, os CIEPs e o Memorial da América Latina. E Oscar inventou, em Maricá, uma casa onde Darcy pudesse contemplar nossa origem africana, além-mar... Ali, Darcy escreveu O povo brasileiro “um espelho para os brasileiros verem a si mesmos; aventurosa e desventurada aventura de quinhentos anos de nosso fazimento”. Pois bem: nessa aventura, a dupla se deu as mãos, os braços, os abraços, pegaram o corpo, a alma, mala e cuia e saíram pelo Brasil fincando inventos que marcassem nossa existência. Se nos constituímos como nação, porque temos um território e um povo que o habita, este mesmo povo sem o imaginário que lhe dá esperança e o alimenta, não subiste. Oscar e Darcy conseguiram, como os alquímicos, transformar o que somos como povo – nossas atitudes pensadas, comportamentos espontâneos, a coerência ou a incoerência de nossas idéias – em coisa real, palpável, concreto, pedra e tijolo.” Darcy tinha mania de dizer : “— Meu irmãozinho, Oscar é o único brasileiro que será conhecido, no mundo, no ano 3.000”. Temos, assim, muito tempo para louvar esta invenção da vida. Oscar nos ensinou que, nos 37.895 dias que despertou, sempre se despertava para um novo dia. Há poucos anos, fui visitá-lo para a aula inaugural da Casa do Saber. Lá pelas tantas, no café da manhã, começou a pitar um cigarro e, de chofre, me perguntou: “ — Com quantos anos você está?” Disse-lhe, à época, “— 55, Oscar!” E ele: — Puxa, que maravilha! Toda a vida pela frente…” Há ano e meio, levamos com Luiz Alberto de Oliveira, o arquiteto Santiago Calatrava, do Museu do Amanhã, ao escritório de Oscar. Após um breve encontro, à saída, Calatrava só repetia: “É uma força da natureza. Ele me ensinou... Ele me ensinou... Ele me ensinou muito do que faço hoje.” Pois é, Oscar ensinou ao arquiteto espanhol à distância. E ensinou, com sua proximidade afetiva, a tantos de nós, que a vida está todos os dias, inteira, toda pela frente.

Depois que Galileu provou que Epuor si muove, Oscar nos ensinou que a beleza é leve (como no verso de Gullar) e se move diante do olhar. Cada obra é uma escultura tridimensional, visível de ângulos distintos, de fora, e embebida de rotação de vida, de dentro. A arquitetura é o lugar para deixar a nuvem entrar, em meio aos pilotis, como no prédio do Ministério da Educação. A arquitetura é o lugar para o mar mergulhar na gente como das janelas do Museu de Arte Contemporânea de Niterói. Oscar sabia disto, que o homem não pode viver isolado de outros homens e muito menos de tudo quanto compõe seu habitat natural: nuvens, água. A beleza dos traços do arquiteto era leve porque não eram os traços do homem, mas das curvas sinuosas de pedras, ondas do mar, pássaros e lagartos. Ele se apropriou, como homem, do que não era humano exatamente para nos tornar mais humanos.























https://oglobo.globo.com/cultura/leonel-kaz-que-oscar-nos-ensinou-6960787




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