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ARTIGO

Texto de Francisco Carlos Teixeira da Silva, publicado no livro "Jean Manzon: retrato vivo da grande aventura", Aprazível Edições, 2007.
JEAN MANZON por Francisco Carlos Teixeira da Silva
Fotografando a Grande Transformação (1940-1964)

Foi pelas lentes de uma Leica, máquina fotográfica alemã, que o francês Jean Manzon revelou, nas páginas de O Cruzeiro, como o Brasil deixou de ser o país “essencialmente agrícola” para se descobrir uma nação moderna, industrializada e urbana. Em menos de trinta anos o atraso foi atropelado por um conjunto de transformações inéditas em nossa História e, possivelmente, sem comparação no mundo contemporâneo.


Nas páginas da revista e pelo olhar sempre majestoso de Manzon, o país acompanhou sua própria revolução e até relevou (ou esqueceu) o elevado preço da Grande Transformação: erros foram cometidos e surgiram os fantasmas da inflação e do descontrole financeiro, porém aqueles foram anos de inabalável fé na capacidade dos homens em rasgar vastidões continentais na construção do Brasil Moderno.


Antes havia o sonho, a utopia que acenava com a sólida vocação do Brasil-país-do-futuro, quando então o progresso inevitável venceria o passado colonial, “feudal” para alguns, símbolo do atraso e da injustiça. E progresso eram as imensas estradas, de dimensões gigantescas; eram as usinas hidrelétricas e o novo e arrojado perfil da arquitetura nacional.


A solidão e um certo gosto pela melancolia, nutrida na vastidão dos sertões, deveria dar espaço ao dinamismo, ao “apito da fábrica”, às buzinas dos automóveis e ao estrondo dos motores de aviões e tratores. Alguns homens – visionários, talvez mesmo sonhadores – acreditavam na possibilidade de mudar, por vontade própria, o destino de uma gigantesca nação.


Brasil, país essencialmente agrícola? Não; Brasil, país essencialmente pobre, eis a verdade. Era essa pobreza – expressa nas massas de trabalhadores dos canaviais e cafezais, paradoxalmente geradores de fortunas – que seria a argamassa do novo país. A praça bucólica do interior, o carro de boi, o barco ao longo do Amazonas passavam a conviver com os aviões da PanAir, com as turbinas de Três Marias, com a força das águas retidas para transformar-se em energia que iluminava as cidades e alimentava as fábricas, que por sua vez empregavam multidões de homens e mulheres transformados em operários.


Na era industrial, a fábrica colonizava a sociedade e surgia a Questão Social, não mais tratada pelo chefe de polícia. Apareciam os partidos políticos, seus homens e instituições. Pela primeira vez o debate nacional tomava ares de resolução dos destinos do país, em projetos de se construir uma nação, saltar as décadas em passos de gigante. Aqui e acolá, o folclórico ressurgia, as elites refugavam e seus próceres ainda agiam como se tudo não passasse de uma farsa de teatro de revista.


Contudo, para um amplo segmento da elite – políticos, intelectuais, artistas – tratava-se de tarefa titânica que só valorizava a fragilidade do homem. O homem brasileiro multiplicado em vários tipos pela mestiçagem intensa e exuberante.


As fotos de Jean Manzon nas páginas de O Cruzeiro revelam esse novo Brasil, dinâmico e urbano, a descobrir a imensidão de sua tarefa: construir uma Nação de verdade.



A ERA DAS GRANDES TRANSFORMAÇÕES ( 1930-1964 )


O rompimento com o antigo ordenamento jurídico e político da República Velha (1889-1930) não foi apenas uma “revolução” política: abriam-se os caminhos, desde então, para profundas mudanças no país. Urbanização, industrialização, arte e cultura “modernas”, uma literatura atenta às mazelas sociais do país e um pensamento teórico engajado são algumas das novidades que explodem a partir de 1930.


Para uma grande maioria de pensadores, de homens preocupados com o futuro do país, cabia, com urgência, “pensar o Brasil”, evitar as antigas falhas morais, compreendidas como herança colonial ou até “restos feudais”, segundo o programa do então jovem Partido Comunista. Era necessário superar o passado, a pesada tradição que nos queria irreversivelmente um país agrário, exportador de bens primários, dependente e submisso às grandes potências, em especial, naquela ocasião, à Grã-Bretanha.


A industrialização era o símbolo maior do progresso, do moderno e da negação do passado colonial nesta nova paisagem marcada pelas chaminés das fábricas, pelos homens e mulheres de macacões de trabalho, pelas vilas operárias e os bondes cheios desde as sete da manhã. Começava aqui a luta para apagar o rótulo de  país “essencialmente agrícola”. Mesmo para uma nação de imensas riquezas agrárias, as máquinas, as linhas férreas e os grandes centros comerciais eram um imperiosidade. Recusava-se para o país a pecha de “feitoria colonial”.


Os homens da República Velha, chamados desde então de “carcomidos”, eram os donos da política do café-com-leite, das valorizações artificiais do preço do café, com o ônus fiscal pago por toda a nação. Era hora de romper com esse estamento plantacionista, conservador, imobilista. A sobrevivência da nação residia claramente na capacidade de romper com a dependência, criar as condições de construir suas próprias máquinas e, para isso, seria fundamental o aço produzido na Companhia Siderúrgica Nacional, em Volta Redonda ( RJ ). Precisávamos produzir nossa própria energia, tanto pelo controle da força descomunal dos rios quanto pelo petróleo, riqueza que só existia na obstinação de alguns.


Iniciava-se a Era das Grandes Transformações, mas esta não se limitava apenas às medidas econômicas e políticas de alteração do passado colonial ainda presente entre nós. Desde o fim da República Velha o rompimento com o modelo agrário-exportador permitira a eclosão de amplo debate sobre a modernidade brasileira -- em verdade, com suas raízes ainda na Semana de Arte Moderna de 1922. Entretanto, será mesmo a partir de 1930 que o debate, agora politizado, vai  gerar grandes projetos de desenvolvimento.


BOX 1:1931:  Jorge Amado publica “O País do Carnaval” e Mário Peixoto lança o filme “Limite”.



A REVOLUÇÃO DE 1930 E A GRANDE TRANSFORMAÇÃO


Com a Revolução de 1930 e o conseqüente afastamento dos setores até então dominantes, em especial a elite agrária de Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro, criaram-se, pela primeira vez, as condições para a construção de um novo projeto nacional. Já em 1932 vários decretos estabelecem a jornada de oito horas de trabalho na indústria e regulamentam o trabalho feminino, além da licença-maternidade e o salário-mínimo.


E se já foi amplamente realizado o debate sobre o caráter da política  de Getúlio Vargas, se existiu ou não um coerente planejamento voltado para o setor industrial, cabe entretanto destacar aqui como este setor, depois de sua queda máxima em 1930, cresce contínua e aceleradamente a partir de então e por toda uma década, a explicitar um novo perfil produtivo.


Vargas procurou aplicar uma política econômica sem deflação ou estagnação, que impulsionasse o crescimento de toda a década com a criação da demanda e o abastecimento do mercado interno. Foi essa a natureza do processo de industrialização do Brasil, mais tarde chamado de “industrialização por substituição de importações”. Pela primeira vez na história do país a população brasileira era vista como cidadã e consumidora e não apenas mão-de-obra.


Podemos então supor que as transformações setoriais então operadas sem dúvida incidiram sobre a hegemonia agrário-conservadora vigente. Se, por um lado, nossas indústrias promoviam o crescimento e supriam as necessidades internas, por outro, os setores agrário-exportadores sofreram dura retração, perderam a capacidade de gerar renda (e divisas) e viram sua ampla autonomia política passar ao controle do Estado, por causa dos mercados internacionais fechados em conseqüência da crise de 1929 e, depois, pela Segunda Guerra Mundial (1939-1945).


Então, com o objetivo de modernizar o panorama agrário brasileiro, o Estado  executou  uma série de intervenções para abalar séculos de rotina e conservadorismo. No setor agrícola as transformações ocorridas foram notáveis. Enquanto nossas exportações tradicionais não mais encontravam mercado e seus preços despencavam, a demanda interna por alimentos e matérias-primas não apenas se mantinha firme, como, ao longo da década, ainda aumentava substancialmente.


O abastecimento das cidades, a composição da cesta básica de alimentação dos trabalhadores (criada logo em seguida) e essa demanda por matérias-primas reorientavam a agricultura para o mercado interno, ao valorizar a produção de alimentos e estimular a formação de núcleos coloniais policultores.


Velhos chavões acerca da economia nacional foram afastados, por superficiais e nefastos. Havia uma sensibilidade presente em quase todos de que mudanças fundamentais se dariam, como aparece, já no carnaval de 1931, na marchinha de Lamartine Babo intitulada “Gegê – Seu Getúlio”:


Só mesmo com revolução
Graças ao rádio e ao parabelo,
Nós vamos ter transformação
Neste Brasil verde-amarelo
Ge-e-Gê-/t-u-tu/l-i-o-lio/ Getúlio

Certa menina do Encantado,
Cujo papai foi senador
Ao ver o povo de encarnado
Sem se pintar mudou de cor
Ge-e-Gê-/t-u-tu/l-i-o-lio/ Getúlio.

(Gravada por Almirante e o Bando de Tangarás -- disco Parlophon.)


Tudo parecia novo e, de fato, era novo, via-se pelo uso intenso do rádio como instrumento de mudança (ao lado de uma arma de guerra, o parabelo [parabélum], pistola de fabricação alemã), pelo qual se convocava a massa para alterar o ordenamento jurídico montado pela República Velha. A primeira transmissão radiofônica oficial no Brasil ocorreu no Rio de Janeiro em 1922 e, logo no ano seguinte Edgard Roquette Pinto inaugurava a primeira emissora brasileira, a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro.   Nos anos trinta, com a multiplicação das estações e, principalmente, a fundação da Rádio Nacional, em 1936,  a comunicação começará seu longo trabalho de unificação cultural e política do país.


Desde a Independência, em 1822, as fronteiras do Brasil eram bastante estáveis. Contudo, do ponto de vista cultural e político o país se apresentava como um arquipélago, formado por “ilhas” que pouco se comunicavam entre si, dependentes dos portos e dos velhos navios de linha, como os “Itas”. Com o rádio esse “ilhamento” desaparecerá, pois em todos os rincões escutava-se a fala  dos líderes, como a saudação de Vargas (“Trabalhadores do Brasil!...”), bem como as marchinhas de carnaval e depois a narração dos jogos de futebol e o Repórter Esso.


Também pelo rádio se convocava a massa para alterar o ordenamento jurídico montado pela República Velha, ora em discursos diretos e inflamados das novas lideranças, ora no tom de pilhéria do cancioneiro popular.


Tais mudanças iriam debilitar o tradicional domínio das oligarquias agrárias e atingir sua expressão econômica básica; a preeminência das exportações, em especial de produtos agrícolas in natura, passa a ser vista como a causa principal da fragilidade da economia brasileira, de sua dependência externa e até mesmo um risco para a soberania nacional. Entretanto, o maior de todos os chavões, o “Brasil essencialmente agrícola”, não seria desmentido; procurava-se superá-lo.


Ao contrário dos esforços do governo Washington Luís em praticar uma nova política financeira, necessitava-se, nas palavras de Vargas, de uma política global de desenvolvimento. Já na plataforma da Aliança Liberal, em 1930, Vargas marca com clareza o rompimento com a política agrícola da República Velha:


“O problema econômico pode-se resumir numa palavra — produzir. Produzir muito e produzir barato, o maior número aconselhável de artigos, para abastecer os mercados internos e exportar os excedentes das nossas necessidades. Só assim poderemos dar sólida base econômica ao nosso equilíbrio monetário, libertando-nos, não só dos perigos da monocultura, sujeita a crises espasmódicas, como também das valorizações artificiais, que sobrecarregam o lavrador em benefício dos intermediários”.


BOX 2: 1932: Joracy Camargo estréia seu monólogo “Deus lhe pague”, com Procópio Ferreira.


BOX 3: Gilberto Freyre lança Casa-Grande & Senzala;  Caio Prado Junior edita Evolução Política do Brasil.



NA ECONOMIA,  A CHAVE DA MODERNIDADE


O projeto de modernização econômica, mediante o aumento da produção, procurava, no dizer de Vargas, implantar uma prática disciplinadora dos mercados e promotora de maior inversão em melhoramentos técnicos para a redução de custos. Naquele momento, “técnica” era a palavra mágica; máquinas e equipamentos industriais representavam sinônimo perfeito de progresso. Os Estados Unidos eram o  modelo a ser imitado, a nova imagem do desenvolvimento. País jovem e dinâmico, também ex-colônia que havia conquistado autonomia e até superado a metrópole, constituía-se em modelo a ser imitado.


Mais do que qualquer coisa os Estados Unidos eram espelhados em seus automóveis, símbolo por excelência da nova era, porém não só na comodidade, charme e sedução do veículo em si residia o apelo irrecusável da América. As imensas fábricas, com bairros operários, monumentos modernos a comemorar a engenhosidade do homem, eram símbolos da superação absoluta do passado. A América era os carros e suas fábricas e esse novo industrialismo, chamado fordismo, aludia ao nome de seu herói: Henry Ford, que inventou a fábrica moderna e transformou a indústria automobilística num dos empreendimentos mais importantes do Século XX. Todavia, como ainda não podíamos conquistar os “mercados do mundo”, apontava-se para o consumo interno de parte considerável do produto nacional, sob a forma da produção em massa, fordista, como o novo modelo de desenvolvimento para o país.



A FÁBRICA COLONIZA A PAISAGEM DO BRASIL


Neste novo modelo de crescimento nacional – industrial, urbano, dinâmico – não haveria mais espaço para um país que era rapidamente deixado para trás. O país agrário, de um tempo marcado pelos trabalhos do campo, no qual o lavrador e o vaqueiro – e além disso o sertanejo, feroz e forte - eram os tipos básicos, deveria ser varrido da História, como sinônimo de atraso. Esta é uma palavra nova para o vocabulário político de então: “atraso” é igual a rotina, ao que sempre fora o país, o seu campo e seus tipos humanos tristes e melancólicos. Não eram só “tipos” do “atraso” o vaqueiro e o lavrador, diga-se; eram também “atraso” o barão do café e o senhor-de-engenho, de vastos canaviais a esperar, passivamente, valorização de preços no mercado mundial.


Ao atraso contrapunha-se o moderno, o fabril e o urbano: são novos tipos marcados pela fábrica, são operários e “capitães-de-indústria” e, ainda, uma nova paisagem: trilhos e trens a rasgar imensidões, chaminés com suas línguas de fumaça, portos a formigar de gente e grandes cidades nas quais se comprime a massa humana. Não há mais espaço para o carro de boi, a “pasmaceira” e a indolência, pois o tempo é agora industrial, mecânico -- e urge fazer coisas novas.


A legislação trabalhista – marca principal do varguismo – é parte do esforço de organização e tutela do trabalho industrial desenvolvido pelo presidente da República e insere-se neste projeto de modernização. A  população urbana  serviria de mercado de consumo para bens não-duráveis e, principalmente, alimentos, base para a constituição de um mercado auto-sustentável. A implantação da legislação trabalhista criava assim ilhas de modernidade – os centros industriais nas cidades – que deveriam expandir o progresso para todo o país.  Desses centros, baseados na fábrica e no trabalho industrial, expandia-se uma nova ética do trabalho, capaz de aposentar o malandro, superar a melancolia nacional e banir, para sempre, a tristeza endêmica dos sertões brasileiros.


A vida familiar, a diversão, a economia doméstica, as percepções de mundo, todo o cotidiano do operário são englobados no novo projeto de normatização do trabalho, que precisa de um ambiente fordizado -- quer dizer, de produção industrial de massa, com o galpão moderno e o tempo cronometrado -- para o seu sucesso no interior da fábrica. Trata-se, assim, de um projeto de gestão de vida, quando as normas e preceitos de organização do trabalho na fábrica transbordam seus limites originais e colonizam com seus princípios -- em especial o de eficácia, disciplina e modernidade -- o conjunto da sociedade. O tempo agrário, lento, melancólico e solitário deveria ceder frente ao dinamismo industrial e o relógio de ponto.


Ao olharmos as fotos de Jean Manzon vemos, imedtatamente, a tensão da mudança, da transformação rápida – é um tempo que se esvai em face do novo. Há  uma clara sedução por este novo, um toque abismado pelo tamanho da tarefa a ser cumprida, pelo gigantismo de tudo o que se faz... Mas, há ainda um certo toque amoroso sobre tudo aquilo que se vai na fenda do tempo: homens e mulheres parados numa época passada, perdidos nos espaços gigantescos, sozinhos e tristes. É como se toda a tristeza fosse o conhecimento de seu próprio fim, de sua condenação final perante o irreversível avanço.


O que faz de Jean Manzon um historiógrafo para além de sua arte é a percepção dessa tensão em mão dupla: o elogio do progresso e o amor por aquela gente que não tem mais  lugar na História.


O mercado interno surgia como penhor de desenvolvimento econômico e, ao mesmo tempo, representava a defesa contra os efeitos adversos das flutuações econômicas internacionais. Assim, condenava-se o predomínio da política agrário-exportadora -- e o ônus das valorizações artificiais de produtos como o café --, caracterizada então como colonial (há referências à expressão feitoria colonial), tudo em benefício da interiorização do desenvolvimento.


Para esse reajustamento (o termo é do próprio Vargas) tornava-se imprescindível a criação de controles administrativos, ou seja, da intervenção estatal. Era necessário, por exemplo, institucionalizar formas de apoio ao mercado interno, pelo reforço crescente da infra-estrutura viária, com a melhoria das rodovias, ferrovias e reaparelhamento dos portos, bem como a estruturação de um denominador comum de todas as categorias em uma política salarial única.


O objetivo era evitar que o mercado livre provocasse aumento dos salários das categorias especializadas ou uma superoferta de trabalho que deprimisse salários abaixo das possibilidades da incorporação produtiva do trabalhador e assim perturbasse os novos mecanismos de regulação econômica. (Assenta-se aqui o alicerce para os sindicatos e os partidos de base trabalhista que deveriam ser os “procuradores” dos interesses operários).


Era também fundamental incentivar a mobilidade da fronteira econômica para incorporar ao processo produtivo os amplos espaços vazios (como o Brasil central, as fronteiras da bacia do Paraná-Paraguai e a orla amazônica); ocupar os sertões e conquistar o imenso hinterland  brasileiro, além de reunir os diversos núcleos demográficos isolados, pois, até então, estes não eram levados asério na contabilidade nacional. Ou ainda, conforme Vargas, povoar racionalmente o país por meio de boa rede viária, porque desse modo investia-se na ideologia da fronteira ou do bandeirantismo, de suma importância na tática governamental.


Evidentemente, enfrentar dois combates simultâneos (organizar o trabalho fabril e romper com o plantacionismo conservador) não era um projeto político desejado por todos. Mesmo dotado de ampla autonomia, o novo Estado evitaria contrariar tantos interesses ao mesmo tempo. A opção lógica era construir ampla base urbana e fabril, vivenciar os estrangulamentos da nova regulação e, a partir das cidades, conquistar o campo.


BOX 4: Os Construtores da Modernidade Brasileira: em 1936, Gustavo Capanema é nomeado Ministro da Educação e Saúde e reúne uma equipe de notáveis intelectuais em torno de um projeto de modernização da cultura do país: Rodrigo de Mello Franco, Afonso Arinos, Carlos Drummond de Andrade, Cândido Portinari, Villa-Lobos, Cecília Meireles e Manuel Bandeira são alguns dos nomes chamados a participar de um projeto de reinvenção do Brasil.


BOX 5: 1935: A Aliança Nacional Libertadora, liderada por Luis Carlos Prestes, organiza um levante anti-fascista e anti-varguista – Era a “Intentona Comunista”.



REINVENTAR O BRASIL: UM PROJETO AUTORITÁRIO


O dinamismo e a modernidade dos grandes centros espelhavam-se claramente na vida cultural e em noites sempre fervilhantes. O Rio de Janeiro, capital federal, atraía políticos de todo o país e ainda os  intelectuais sufocados pelo clima da “província” e todos aqueles que tentavam uma melhor sorte. Entre 1930 e 1945 os cassinos  eram o retrato daquela época. A associação entre o jogo, os grandes espetáculos e o rádio conferia glamour e sofisticação à vida da capital da República. Carmem Miranda, a cantar sucessos de  Assis Valente e Ary Barroso, irrompia com um novo modelo de mulher emancipada e insinuante.


As saias longas e pesadas abriam passagem à ousadia e as pernas  povoavam os sonhos masculinos. As lindas pernas vistas nos palcos da Urca, do Cassino Atlântico ou na paisagem do  Copacabana Palace. Mas as mulheres não eram só pernas, eram também “cabeças”; adquiriram o direito de votar em 1933 e já em 1934 seria eleita a primeira deputada, a médica paulista Carlota Pereira de Queiroz. Agora, elas estão em todos os lugares, não são mais as “professorinhas”, a única profissão permitida ao lado de “prendas-do-lar”; são vedetes e cantoras do  rádio e  dos cassinos, eleitoras e eleitas na Constituinte; enfermeiras profissionais, formadas em escolas criadas pelos americanos; estão nas fábricas e nas marchas de integralistas e comunistas pelas ruas do Rio e de São Paulo.


As mulheres conquistavam seu espaço no velho Brasil  patriarcal e machista; mulheres como a deputada Carlota e Carmem, mas também Virgínia Lane -- ah, as pernas de Virgínia Lane!, suspiravam os brasileiros... --; e a poeta Cecília Meireles, a cangaceira Maria Bonita, que  inflamava a imaginação urbana do novo Brasil, e as Irmãs Batista, cantoras da desabrida  paixão.


Todavia, a mudança também implicava  crises e enfrentamentos. A democracia liberal da República Velha não era amada. Limitada, excludente e marcada pelo domínio de barões e bacharéis, não era vista como própria do país; faltava-lhe a marca da brasilidade, aparecia  como flor exótica, importada e importuna. De todo modo, os que fizeram a Revolução em 1930, Getúlio Vargas à frente, tinham, da mesma forma, uma visão autoritária da sociedade, visão comum àquele tempo, e não consideravam possível realizar mudanças profundas num regime democrático.


A criação da Polícia Especial, com Filinto Müller, e do Tribunal de Segurança Nacional – em 1935 – espelhará a face impositiva do regime. Aqui agiam forças complementares e opostas, vinculadas à conjuntura mundial, o que revelava o caráter ambivalente do Estado de Compromissooriundo da Revolução. O projeto econômico e social operado exigia a incorporação econômica do campo de forma subordinada e complementar; era o início do processo que se denominaria penalização da agricultura.


O modelo de industrialização em ilhas de modernidade (fordista e periférico), por sua vez, não contemplava a incorporação, em termos isonômicos, do conjunto da população nacional. Assim, os camponeses não poderiam ser objeto das garantias e exigências da CLT, sob risco de inviabilizar o próprio projeto em curso; em suma, o apoio à classe trabalhadora urbana e sua proteção previam a intensificação da produção rural, ao ampliar as possibilidades de exploração.


Ao mesmo tempo, a grande autonomia alcançada pelo Estado permitia e estimulava sua atividade no sentido de se sobrepor a todo domínio particular ou privado no mundo do trabalho, inclusive no campo. Tal situação criava uma tensão permanente e levava o Estado a avançar para além de seus objetivos iniciais. Assim, o campo e o camponês são tomados como objetos naturais da governabilidade. Em especial, a idéia de um homem doente ou um campo vazio -- o imaginário da tristeza rural --  correspondia à fragilização do projeto fordista periférico na sua base agrária (confisco cambial, abundância de alimentos, fornecimento de matérias-primas, etc.); por outro lado, constituía risco de segurança nacional, com as fronteiras abandonadas e soldados subnutridos, por exemplo.


Tais exigências contrapunham-se à necessidade de manter o ordenamento agrário preexistente a 1930, sem frentes de conflito além do necessário. Dessa forma, mesmo sob a pressão intensa da imperiosidade da modernização da agricultura como meio de viabilização e financiamento do projeto fordista entre nós, eludia-se o rompimento com os setores agrários tradicionais. A opção era pelo trabalho na fronteira (na física, a fronteira agrícola, e na fronteira política, limiar do rompimento com os interesses agrários oligárquicos), pela colonização dos espaços vazios e regulação exclusiva do trabalho induzido nos projetos, evitando-se uma incorporação universal ao mundo do trabalho fordizado.


O arranjo político previsto gerava alguma compensação para todos os setores envolvidos, embora a hierarquização agora ordenada implicasse clara subordinação do campo.


BOX 6: 1936: Sérgio Buarque de Hollanda publica Raízes do Brasil; no mesmo ano é inaugurado no Rio de Janeiro o prédio-sede do Ministério da Educação, considerado o marco arquitetônico da modernidade brasileira.


No mesmo ano, no dia 12 de setembro, o país escutava pela primeira vez: “Alô, alô Brasil! Aqui fala a Rádio Nacional do Rio de Janeiro!”. Durante longos anos Ary Barroso será a voz do rádio.



CONQUISTANDO OS SERTÕES


Nessa época, um dos pontos básicos da interpretação autoritária do Brasil partia da visão de risco imediato que corria um país formado por amplos espaços vazios e de uma fronteira Oeste -- Goiás, Mato Grosso, Guaporé/Rondônia -- praticamente abandonada. Ora, num mundo onde grandes potências se lançam à conquista de países vizinhos mal povoados ou mal defendidos (ataques da Itália na África, do Japão à China e, mais tarde, da Alemanha hitlerista em busca do seu Lebensraumou espaço vital no Leste europeu), o Brasil parecia um alvo fácil, com seu imenso território e grandes bolsões de população de origem estrangeira.


Assim, sem se preocupar com a questão da terra na área próspera e já densamente povoada do eixo Centro-Sul, a partir de 1930 a atuação do Estado seria direcionada aos espaços vazios do Centro-Oeste, às áreas deprimidas do Nordeste e à imensa Amazônia.


O objetivo básico será a instalação de trabalhadores pobres, flagelados e retirantes das secas e de ex-reservistas em grandes áreas de assentamentos agrícolas. Áreas que seriam constituídas pela reunião de pequenos lotes, em média 25 hectares (terão variações conforme o tempo e o local dos projetos), com previsão de uma reserva florestal, algo em torno de 25% da área total da colônia, e de uma escola e o estabelecimento de um sistema de cooperativas.


Durante um bom tempo esses projetos mobilizariam o imaginário popular, envolvido por eficientes campanhas de propaganda, nas quais o Estado assegurava a felicidade dos cidadãos. Poucas vezes antes no Brasil a vida cotidiana de homens e mulheres havia sido tomada como parte do processo político e tantas pessoas acreditaram que iriam melhorar de vida por meio da ação governamental. Em dezembro de 1938, os compositores João de Barro e Alberto Ribeiro antevêem o sucesso no próximo carnaval e  lançam em disco, pela fábrica RCA Victor, Marcha para o Oeste, em que a ideologia bandeirantista aparece como possibilidade de satisfação pessoal:


Eu vou...ô...

Para o oeste

Adeus...

Meu amor

O beijo que me deste

Levarei para onde for

Teus lindos sonhos de agora

Realidade serão

Quando eu voltar

Para pagar

Teu beijo que vale um milhão.


BOX 7: 1937: Em meio a uma larga crise política Getúlio Vargas dissolve o Congresso Nacional, revoga a Constituição democrática de 1934 e instaura o Estado Novo no Brasil. No mesmo ano nasce o SPHAN (Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), por ação do ministro Gustavo Capanema, com base em projeto de Mário de Andrade. A UNE, União Nacional dos Estudantes, fora criada em 11 de agosto daquele ano.


BOX 8: Oswald de Andrade publica O Rei da Vela e Roberto Simonsen edita História Econômica do Brasil.



TRABALHADORES DO BRASIL: inventa-se uma classe social


Recorde-se que não somente o campo aparecia na  paisagem do atraso. As cidades e até  a capital federal exibiam marcas do passado, com o casario velho, os cortiços e os personagens típicos, boêmios e malandros. A reconstrução do Brasil exigia a “limpeza” de tal paisagem urbana. Um projeto desenvolvimentista seria povoado por trabalhadores; leis e  medidas restritivas serão impostas e todos devem comprovar diligência neste cenário em que a felicidade virá da ocupação e das virtudes do lar. Ao mesmo tempo, a idéia de aventura e desbravamento deveria mobilizar os sonhos de milhares de brasileiros que abririam os sertões à civilização. A educação moral e cívica do povo constituía um dos objetivos fundamentais do Estado Novo, no qual não havia espaço para vadiagem.


Além da simples manutenção da ordem, a polícia executava um projeto de ordenamento para o trabalho, um trabalho de massa, cronometrado, com ênfase na intensidade da jornada, como as práticas fordistas estabeleciam. Os três apitos da fábrica de tecidos fazem reclame da moça sem tempo para o poeta-boêmio, como no samba de Noel Rosa, que reconhece a imposição de uma nova era ao rimar apito/grito/aflito. Numa marchinha do carnaval de 1940, Haroldo Lobo e Mílton de Oliveira retratavam a tirania do tempo cronometrado:


Ainda não é hora do batente

E ele fica impertinente

Acordando toda gente

Fazendo cuco, cuco, cuco....

Eu pego às oito e quarenta e cinco

E levanto às sete pra tomar

[banho e café...

(O Passarinho do relógio, disco RCA Victor)


Trata-se claramente da oposição de mundos, de dois tempos que ainda convivem por um curto lapso: o velho e o novo, o rural e o urbano, o industrial e o agrícola, enfim, a modernidade e a tradição. São tempos modernos, em que o ritmo urbano, fabril, intenso ou, como diria Noel Rosa, o apito/grito/aflito sobrepuja o ritmo do campo, o tempo agrário das estações, dos ciclos da terra marcados pelos trabalhos agrícolas. Todos devem se adaptar ao novo ritmo vitorioso do mundo e mesmo nas campanhas, nos núcleos coloniais junto à terra, o tempo não é mais o tempo da natureza:


As horas caem sobre nós verticalmente

como chuva secreta.

...................

O que disputamos já não é um palmo de terra,

o último que ficou fora do mapa.

É o amanhã, é o direito de um dia seguinte.

O que disputamos é a hora,

e, assim mesmo, a hora que cai verticalmente...

(Cassiano Ricardo, A manhã que conquistamos ao inimigo)


As fotos de Jean Manzon, principalmente aquelas que registram o cotidiano político do país nos anos quarenta e cinqüenta trazem uma outra novidade para o público brasileiro. Não é somente a “tipagem” dos diferentes “homens” brasileiros que são alvo do artista, como no cinema soviético de Eisenstein; as lentes de Manzon revelam sem pudor  a intimidade do poder, um cotidiano ignorado pelos brasileiros. Os governantes, e Vargas muito especialmente, em seu dia-a-dia, são objeto da atenção do fotógrafo. Imagens  do gabinete de trabalho  mostram charutos e  canetas, mãos gorduchas, a barriga obtusa... Os óculos são postos e retirados, os paletós abandonados -- e olha-se para o vazio como se lá distante residisse o futuro.


Nas fotos do Mestre os brasileiros conheceram Getúlio Vargas, o líder que queria mostrar-se, povoar a imaginação geral. O fotógrafo captou cada movimento, traço da boca, expressão astuta dos olhos... Permitiu-se, ainda, trazer do fundo da cena os auxiliares, os homens-sombra, os camareiros, secretários e capangas. Todos estão alí, para o povo ver, para o povo -- agora sociedade de massas -- saciar sua fome de identificação com o “pai dos pobres” que reinventava a Nação.



A EDUCAÇÃO PELA FOTOGRAFIA


A noção de trabalho como missão do homem é sobrevalorizada, para  afastar qualquer elogio ao ócio, superar a herança rural e apagar a pecha imposta de preguiça, da eterna preguiça ibérica unida a um catolicismo bárbaro e supersticioso, numa versão mal assimilada do sociólogo alemão Max Weber. A fotografia de Jean Manzon percorre esses tipos desenganados com o olhar do museólogo ou talvez do folclorista. Tratava-se de registrar aquele homem condenado pelo progresso, reter no documento a marca de quatro séculos de mesmice e passividade, aqui e ali perturbadas por erupções de violência cega.


Há ainda um Brasil sinônimo de inocência, de shangri-lá oculto e já perdido: são as fotos dos índios. Estes eram os condenados da terra por excelência, os que haviam perdido o seu papel na História. Há, então, uma pressa inusitada, uma certa ânsia em fotografá-los, um saber instintivo de sua efemeridade.


Ao buscar os seus tipos, Manzon caminha na mesma trilha de Euclides da Cunha e reconhece os méritos, a força e a valentia dos retratados. São lavradores de canaviais, de cafezais; boiadeiros, jangadeiros, pescadores, e também os desocupados de todos os níveis enquadrados nos seus ambientes. Em todo lugar vê-se um sentido agudo de tristeza, de mulheres à espera do que não sabem, homens que nada esperam e crianças largadas à margem de seus destinos.


Esse é  o mundo a ser mostrado nas páginas inteiras das principais revistas do país, como se as fotos dissessem: isto é você, Brasil! Acorde, trate de mudar, sacudir a rotina dos séculos e construir o novo, o diferente! As imagens de Manzon gritam o projeto nacional-desenvolvimentista de sua época e guardam um silêncio quase religioso por aquele mundo que morria. Era necessário apresentar à Nação um país ainda desconhecido de seu povo. Assim, a fotografia que ilustrava veículos nacionais como a revista O Cruzeiro desempenhava o papel central na redescoberta do Brasil pelos brasileiros.


Depois de tantos anos, verifica-se que um dos elementos mais enriquecedores da obra de Jean Manzon foi sua perfeita noção da importância da fotografia no extraordinário projeto de transformação do país. Suas fotos, de forte impacto visual, revelavam um Brasil desconhecido, incentivavam o interesse pelas “nossas coisas e nossas gentes” e sustentava um imaginário voltado para a grandeza de uma nação que, pela diversidade e tantos tesouros, deveria ter com certeza um destino grandioso a cumprir.


Jean Manzon constituía-se no cronista fotográfico da Grande Transformação e esse retrato do Brasil, com suas fábricas, usinas, estradas e monumentos será um legado de Vargas que perpassará os anos quarenta e florescerá nos grandiosos projetos de modernização de Juscelino Kubitschek, em meados dos anos cinqüenta.


BOX 9: 1938: Graciliano Ramos publica Vidas Secas, enquanto Mário de Andrade envia ao Norte do país a Missão de Pesquisas Folclóricas.


Com óbvio “estímulo” do Departamento de Imprensa e Propaganda, o DIP, criado em dezembro de 1939 para divulgar a ideologia do Estado Novo, a produção artística de tipo mais popular reinterpretava a Grande Transformação do país. Em outubro de 1941, Ataulfo Alves e Felisberto Martins lançavam, em discos Odeon, “É negócio casar”, samba de grande sucesso:


Veja só

A minha vida como está mudada

Não sou mais aquele

Que entrava em casa alta madrugada

Faça o que eu fiz

Porque a vida é do trabalhador

Tenho um doce lar

E sou feliz com meu amor

O Estado Novo

Veio para nos orientar

No Brasil não falta nada

Mas precisa trabalhar

Tem café, petróleo e ouro

Ninguém pode duvidar

E quem for pai de quatro filhos

O presidente manda premiar

É negócio casar!

Vejá só!


Procurava-se, assim, convencer o malandro a experimentar o batente, o novo universo do trabalho fabril, e mobilizar as forças dos abandonados nos sertões, despertá-los de três séculos de solidão para transformá-los em homens produtivos. No campo, cabia enaltecer o esforço físico, o caráter quase bélico das fainas agrícolas, embora permanecesse sempre presente um quadro de tristeza, bem ao contrário do dinamismo da cidade. Agora, o campo também abriga um homem dinâmico, como no poema de Cassiano Ricardo intitulado O lavrador, talvez a mais perfeita visão do campo redimido no Estado Novo.


A tua mão é dura como casca de árvore.

Ríspida e grossa como um cacto.

.............................................

Se Cristo regressar, ó lavrador, não é preciso que lhe mostres

como eu, as feridas do corpo e do pensamento.

Nem as condecorações faiscantes que os outros ostentam no peito.

Mostra-lhe a mão calejada.

Mostra-lhe a mão calejada,

enorme, a escorrer seiva, sol e orvalho.


Ainda uma vez as fotos de Jean Manzon apreendem esta mutação: o campo permanece imenso, rico e seminal para o Brasil. Porém, trata-se de um novo campo. São colônias de povoamento plantadas nos sertões e na selva, são trilhos e silos, são caminhões e máquinas agrícolas. O campo se industrializa com as cidades, acompanha os tempos e transforma sua paisagem.


O melhor exemplo deste elogio ao trabalho são essas mãos enormes, os pés enormes, dos gigantes que constroem o Brasil, aqueles já retratados  na pintura de Tarsila, desde a década de 1920, e, muito claramente, nas telas de Cândido Portinari, nas décadas de 1930/1950.  O homem do povo, o pobre, surge como a imagem mais genuína do brasileiro e os trabalhadores rurais e urbanos identificam-se com a própria brasilidade. A arte moderna se politiza, influenciada pelo cubismo, o expressionismo e o muralismo mexicano. Segundo o crítico Carlos Zilio, ao querer exprimir nosso imaginário, a ambição do modernismo procura reconstitui-lo a partir de suas origens,


BOX 10: 1939: Ary Barroso espelha o novo clima de nacionalismo e orgulho nacional com suaAquarela do Brasil; nosso primeiro poço de petróleo é aberto em Lobato, na Bahia.



E O BRASIL MUDOU...


As décadas seguintes à Revolução de 1930 consolidam parte substancial do imaginário que até hoje povoa a mente dos brasileiros sobre o seu passado rural e a vida no campo. A elite intelectual defronta-se com a natureza multicultural e multirracial do país, ora negada, ora desconhecida. A fotografia de  Jean Manzon, reproduzida nas grandes revistas nacionais, foi parte fundamental deste novo “Descobrimento do Brasil”.


Pela primeira vez entre nós, intelectuais e políticos declaravam-se abertamente contrários à hegemonia agrário-exportadora e à monocultura e criticavam a dependência externa do país e sua vinculação com o capitalismo mundial. O impacto da crise de 1929, que desvalorizou o café -- produto básico da pauta de exportações --, mostrara que o Brasil poderia afundar junto com a monocultura. Assim, cabia lutar pela autonomia, compreendida como projeto industrial, urbano e modernizador.


BOX 11: 1940: Renato Murce estréia o programa radiofônico Papel Carbono; Humberto Mauro lança o filme Argila e Mario Quintana publica A Rua dos Cataventos.


BOX 12: 1941: Getúlio Vargas inaugura a CSN, a Companhia Siderúrgica Nacional, em Volta Redonda, RJ. O Repórter Esso estréia nas rádios Nacional, do Rio, e Record, de São Paulo.


BOX 13: 1942: Construção do conjunto arquitetônico da Pampulha, em Belo Horizonte, obra de Oscar Niemeyer. Criação da Companhia Vale do Rio Doce.


Entre 1940 e 1950 as transformações irão se aprofundar. Eram visíveis os sinais extremamente importantes de uma mudança estrutural na economia de um país que já  contava, então, mais de cinqüenta milhões de habitantes. Um número cada vez maior de pessoas viverá nas cidades, mais e mais urbanizadas, cercadas por amplas periferias populares ou, como na Capital da República, por uma explosão de favelas. Em muitas dessas cidades, como Rio, Salvador e Recife, faltarão alimentos para tanta gente. A fome, sabida apenas nos sertões flagelados pelas secas, atingirá as periferias urbanas. A desnutrição será descoberta como endemia e Josué de Castro provoca escândalo nacional ao traçar uma geopolítica da fome.


BOX  14: 1943: Getúlio Vargas anuncia, em discurso no Estádio de São Januário, do Vasco da Gama, a Consolidação das Leis do Trabalho/CLT. Era o reconhecimento formal de uma nova era na história do país, com a emergência de uma classe operária, fabril e urbana.


Constituía-se assim, com todos os seus componentes modernos -- urbanos e fabris --, o outro lado da modernização: a emergência das questões Social, Agrária, Educacional e do Abastecimento do país. O Brasil moderno será, também, uma nação transpassada de crises, com uma democracia apenas formal -- e frágil.


Box 15: 1945: Vargas é deposto, encerrando-se o Estado Novo.



DEMOCRACIA E MODERNIDADE NO BRASIL NA ÉPOCA DA GUERRA FRIA


A participação brasileira na Segunda Guerra Mundial (1939-1945) acelerou a crise final do Estado Novo; como seria possível lutar na Europa contra os regimes autoritários e viver sob uma ditadura no próprio país, perguntava-se a opinião pública. Da mesma forma, a participação brasileira  nas conferências internacionais politizará profundamente o país e o debate sobre a questão do desenvolvimento econômico das nações ditas atrasadas. Intelectuais, partidos e políticos se dividem entre os seguidores do modelo liberal-representativo dos Estados Unidos e o dirigismo socialista da União Soviética. Assim, a resolução da questão do desenvolvimento assumirá ares de enfrentamento entre Ocidente e Oriente, entre projetos de desenvolvimento liberais e socialistas.


Vivia-se, então, sob o clima da Guerra Fria (1945-1991), em cuja pauta inseria-se a velha e já secular injustiça social derivada do monopólio da terra, no Brasil e no conjunto da América Latina, muito especialmente após a revolução cubana de 1959. O fim da exploração do homem do campo passará a ser visto, por alguns, como unicamente possível no contexto de uma revolução socialista, talvez de caráter mundial. A extensa e cruel história do latifúndio convenceria muitos homens de esquerda de que a reforma agrária num regime liberal seria impossível, incompleta ou, pior ainda, uma panacéia para enganar os camponeses.


Ao mesmo tempo surgia uma explicação universalista, capaz de dar conta da exploração como um avatar histórico, superável pela ação do próprio homem, na verdade através da ação organizada e consciente dos próprios trabalhadores. Para outros, homens de direita ou simplesmente técnicos despolitizados e crédulos na eficácia da tecnologia, a reforma agrária viria apenas para desorganizar a produção, impedir a aplicação de grandes soluções (no mais das vezes baseadas em investimentos maciços) ou constituir-se meramente em bandeira para a agitação vermelha.


No Brasil e em todo o continente a questão agrária torna-se ponto central no mapeamento do que então se considerava atitude de esquerda e de direita latino-americanas e defrontava quem marchava pela ordem existente e os que tentavam subvertê-la.


BOX 16: 1946: Gilda de Abreu dirige o filme O Ébrio, com Vicente Celestino; Clarice Lispector lança o romance O Lustre.


BOX 17: 1947: Sob o clima da Guerra Fria o Partido Comunista Brasileiro é posto na ilegalidade, funcionários públicos são demitidos sob a acusação de comunistas e militantes acabam presos e exilados, entre eles Luis Carlos Prestes. O Brasil rompe relações diplomáticas com a União Soviética.


BOX 18: Fundação da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência/SBPC, marco da construção da ciência, tecnologia e inovação científica no Brasil.



POLITIZANDO O DESENVOLVIMENTO


Desde o fim dos anos quarenta não é mais a velha ineficiência produtiva, a crise de abastecimento e a falta de insumos que dificultam o desenvolvimento econômico; o afã de crescimento esbarra em obstáculos estruturais, permanentes e próprios do que  se chamava, com certa pompa, a realidade nacional. Faltava emprego “de carteira assinada”, mas faltava também formação adequada e educação. As escolas, pequenas e limitadas, feitas para um outro Brasil já superado, não davam conta nem das massas recém-chegadas do campo e nem do acelerado crescimento da própria população urbana. Faltava moradia, multiplicavam-se favelas, barracos e a ausência de qualquer amparo.


Na verdade, fica cada vez mais claro para muitos políticos e intelectuais que não se podia mudar a sociedade sem mudar o sistema político. Não era apenas a sociedade arcaica que gerava a injustiça; era o sistema político de dominação que impedia a participação dos trabalhadores nas riquezas que a cornucópia agrícola e industrial gerava ou poderia gerar. A elite política, distante das necessidades populares, muitas vezes usava o cargo público em deleite próprio e escorregava quase sempre para o deboche, explicitando seu descompromisso com a Nação.


A expansão dos meios de comunicação, em especial das revistas de tiragem nacional e do “jornal da tela”, exibido nos cinemas, amplia o conhecimento que os brasileiros têm da pobreza e da exploração existentes no país. O trabalhador agrícola é visto como símbolo maior da injustiça social, não apenas nos canaviais nordestinos, mas também nas grandes plantações do Sudeste.


Tudo começara sob Vargas, que  reuniu soberania e industrialização na busca do desenvolvimento. Passada a heróica fase inicial, surgiam dúvidas cada vez maiores. Crescimento era mesmo sinônimo de desenvolvimento? Uma geração inteira vai discutir essa questão. Serão jovens intelectuais, militares e políticos, influenciados por textos radicais de Karl Marx a Frantz Fanon, principalmente este, negro martinicano autor de uma célebre obra revolucionária, Os Condenados da Terra. Os militantes, quase todos oriundos das classes médias urbanas, estavam dispostos a contestar a receita baseada no crescimento econômico, pois além de crescer era preciso dividir, distribuir e emancipar. O nacional-desenvolvimentismo, herança de Vargas, sofrerá o impacto do pensamento marxista para se tornar cada vez mais extremado nas teses que defendem o fim da injustiça social.


BOX 19: 1949: Fundação da Companhia Cinematográfica Vera Cruz, com o lançamento do seu primeiro filme, Caiçara, de Adolfo Celi. No Teatro Brasileiro de Comédia, o TBC, brilha a atriz Cacilda Becker.


BOX 20: 1950: Inauguração do Estádio de Futebol do Maracanã: o Brasil perde a Copa do Mundo para o Uruguai.


Por sua vez, a aceleração de um modelo chamado substituição de importações cria ilhas de desenvolvimento e modernidade  (em especial no eixo Rio/São Paulo), de relativo bem-estar social, com a concessão de benefícios a grupos inicialmente restritos, como os trabalhadores industriais urbanos. A manutenção dos baixos índices de produtividade agrícola, a recorrência das crises de abastecimento e a estreiteza do mercado de insumos -- fatos recorrentes nas décadas de 1950 e 1960 -- são, então, caracterizados como entrave ao desenvolvimento nacional. Ao mesmo tempo, a questão agrária é identificada com a questão nacional, com a luta contra o atraso e pela soberania.


Inicia-se assim a industrialização do campo.


BOX 21: 1952: Criação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico, mais tarde BNDES. Entra no ar a TV Tupi de São Paulo, a primeira emissora de TV do continente.


BOX 22: 1953: Vargas, de novo no poder, cria a Petrobrás. Lançamento do filme O Cangaceiro, de Lima Barreto, que apresenta ao grande público a estética da pobreza e a explicitação da questão social.


BOX 23: 1954: Getúlio Vargas se suicida em decorrência de grave crise política.



AS OPÇÕES DO DESENVOLVIMENTO NACIONAL


Em 1945 viveu-se o fim da II Guerra Mundial e o fim do Estado Novo, com mudanças fundamentais na sociedade brasileira. De um lado, a participação brasileira na guerra ocidentalizou o país e os grandes debates internacionais. A Guerra Fria passa, então, a ser internalizada, com desdobramentos nacionais de típicos processos em desenvolvimento na Europa Ocidental e Estados Unidos (supressão do PCB, formação de dois campos políticos opostos, identificação de todo movimento social com uma pretensa conspiração internacional, etc.).


De outro lado, as mudanças introduzidas por Vargas mostravam-se irreversíveis, em especial a preferência pela industrialização. A volta dele ao poder, entre 1951 e 1954, bem como a atuação de Juscelino Kubitschek, entre 1956 e 1961, acelerariam as mudanças básicas da economia brasileira em direção a um modelo econômico baseado nos supostos da industrialização rápida e dirigida pelo Estado.


A maior e mais importante de todas as mudanças iniciadas depois da II Guerra Mundial foi a inversão da relação campo/cidade: no curto espaço de trinta anos a população urbana superava a população rural, a cidade e suas fábricas produziam a maior riqueza do país. Estava superada a maldição colonial: o Brasil não era mais um país essencialmente agrícola.



UM BRASIL QUE SE MOVE...


O tema do abandono da terra natal, do rincão, vai se tornar recorrente no imaginário popular brasileiro, quase sempre com sentimentos contraditórios (saudade/adversidade, necessidade de ir/vontade de ficar) a expressar a difícil decisão de milhões de homens e mulheres que decidiam partir para a cidade grande em busca de melhores condições de vida, conforme a canção que marcou o país:


Hoje longe muitas léguas

Numa triste solidão

Espero a chuva cair de novo

Pra mim vortá pro meu sertão

Quando o verde dos teus óio

Se espraiá na prantação

Eu te asseguro, não chore não, viu?

Que eu vortarei, viu, meu coração.

(Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira, “Asa Branca”, disco RCA   Victor, 1952)


Ainda pela sanfona de Luiz Gonzaga o país era apresentado à fome e via anuviar-se o sonho americanista que alimentava as grandes metrópoles do sul. Era como se o Rio de Janeiro e São Paulo, voltados para os esplendores de Copacabana e do Hipódromo de Cidade Jardim, das grandes festas e dos salões do Copa e do Quitandinha, dos espetáculos dos cassinos da Urca,  parassem para ouvir o lamento do sanfoneiro:


Pois dotô dos vinte estado

Temos oito sem chuvê

Veja bem, quase metade

Do Brasil tá sem cumê

Dê serviço a nosso povo

Encha os rio de barrage

Dê cumida a preço bom

Não esqueça a açudage

Livre assim nóis da esmola

Que no fim dessa estiage

Lhe pagamo até os júru

Sem gastar nossa corage

(Luiz Gonzaga e Zé Dantas, “Vozes da Seca”,


BOX 21: 1954: Marta Rocha comove o país com “duas polegas” a mais. O mito da mulher brasileira, de longas pernas e cintura fina, marca toda uma geração.


BOX 22: 1955: Criação da Companhia Hidrelétrica do São Francisco. Formação das Ligas Camponesas. Lançado o Romi-Isetta, primeiro carro nacional.


BOX 23: 1955: Nelson Pereira dos Santos revoluciona a estética do cinema brasileiro com o filme Rio, 40 Graus.


BOX 24: 1956: Guimarães Rosa lança Grande Sertão: veredas.


BOX 25:1957: Anísio Teixeira assume a direção do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos,INEP.



O BRASIL DAS GRANDES CIDADES


Quase todos sem formação técnica, trabalhadores migrantes desembarcam em cidades como Rio de Janeiro e São Paulo, fugidos da seca e do latifúndio e prontos para uma incorporação imediata e dura no mercado de trabalho desqualificado, como nos mostra o samba paulistano de Adoniran Barbosa:


Se o senhor num tá lembrado

Dá licença de contar

É que onde agora está

Esse edifício arto

Era uma casa véia

..............

Foi aqui, seu moço

Que eu, Mato Grosso e o Joca

Construímos nossa maloca

mas um dia, nóis nem pode se alembrar

Veio os homes com as ferramenta:

O dono mandou derrubar

Peguemos todas as nossas coisa

E fumos pro meio da rua

Apreciá a demolição...

(Adoniran Barbosa, disco Continental, “Saudosa Maloca”, 1951)


“Saudosa Maloca”, com seus personagens de nomes emblemáticos, o Mato Grosso, por exemplo, mostrava o caráter nacional das migrações no interior do país, não apenas de nordestinos fugidos da seca. Ao mesmo tempo, revelava a constituição da horda que passava a viver precariamente e assim, bem antes da Bossa Nova e com tal fonte inspiradora, a favela assumiu a poética do morro:


Barracão de zinco

Sem telhado, sem pintura

Lá no morro

Barracão é bangalô

Lá não existe

Felicidade de arranha-céu

Pois quem mora lá no morro já vive pertinho do céu

(Herivelto Martins, disco Odeon, “Ave Maria no Morro”,


Primeiro o debate e depois a crise recaem sobre o modelo de desenvolvimento do país. Pela primeira vez a sociedade será claramente polarizada entre direita e esquerda, entre os que exigiam o crescimento econômico e os que lutavam pela justiça social. Todos tomavam para si a tarefa de melhor interpretar a realidade nacional.


O modelo industrializante implantado por Vargas parecia ter chegado a um primeiro impasse: verificava-se forte tendência à concentração de renda, obstrução das formas indiretas de salários (política trabalhista), inflação elevada, queda do salário real, enfraquecimento da taxa de acumulação no setor industrial, deterioração dos termos de intercâmbio internacional e a decorrente escassez de divisas.


Duas soluções, rigorosamente opostas, surgiram como resposta ao debate sobre a realidade nacional: de um lado, devíamos atrair o capital internacional, principalmente  o americano. Os que defendiam esta tese foram chamados de entreguistas e tal política denominada desnacionalização. O outro lado propunha o aumento do mercado interno como base e sustentação para o prosseguimento do modelo desenvolvimentista, com ampliação dos direitos sociais por meio das “Reformas de Base”.


A questão agrária, vista como fonte de atraso durante a Era Vargas, era agora transformada em questão nacional e, dessa forma, englobada num amplo debate sobre o desenvolvimento nacional e a própria soberania do país.


BOX 26: 1958: o Brasil é campeão do mundo na Copa da Suécia, com Garrincha, Didi e Pelé. Estréia a peça de teatro Eles não usam black-tie, de Gianfrancesco Guarnieri. Raymundo Faoro publica o livro Os Donos do Poder.


BOX 27: 1959: Irrompe a Bossa-Nova: João Gilberto canta Chega de Saudade!; Fidel Castro lidera a Revolução Cubana.


BOX 28: Orfeu do Carnaval, peça original de Vinicius de Moraes, com música de Tom Jobim e Luís Bonfá, transformada em filme por Marcel Camus, ganha o Festival de Cannes e o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro.


BOX 29: Inauguração de Brasília. Darcy Ribeiro é Ministro da Educação e executa a Lei de Diretrizes e Bases.



CRISE DO DESENVOLVIMENTISMO E CRISE DA DEMOCRACIA, 1961-1964


O debate que se iniciara sob Vargas, acerca do caráter que deveria assumir o desenvolvimento brasileiro, torna-se o grande catalisador da política brasileira nas décadas de 1950 e 1960. Dar continuidade, ou não, ao modelo implantado nos anos anteriores e ao mesmo tempo corrigir desvios e implementar novas medidas implicaria mudar, com decisão, o cenário econômico e social brasileiro. A ascensão de JK ao poder, após o tremendo impacto do suicídio de Vargas em 1954 e um interregno até 1956 marcado por golpes e contragolpes (governos Café Filho, 1954-55; Carlos Luz, 1955; e Nereu Ramos, 1955-1956) apenas adiaria a crise.


O  modelo desenvolvimentista de JK -- empreendedor, dinâmico e modernizante -- será acompanhado de forte crise social, com crescimento do voto urbano, de esquerda e reformista. Herdeiros de Vargas, Jango e Leonel Brizola imporão ao modelo nacional-desenvolvimentista um  conteúdo social que transformará a “herança do velho” num vigoroso movimento progressista.


Data desse momento a “fabricação” de  uma ideologia que se convencionou chamar de  desenvolvimentismo,  ora mais “nacional”, com Vargas e JK, ora mais popular, com Jango e Brizola,  cujo principal mecanismo de condensação foi o Instituto Superior de Estudos Brasileiros, ISEB, dirigido por intelectuais como Nélson Werneck Sodré, Álvaro Vieira Pinto e Hélio Jaguaribe, durante os governos Juscelino Kubitschek e João Goulart (1961-1964). Tal e “isebiana” ideologia incorporava as análises dualistas, da convivência do moderno e do tradicional, e da necessidade de sua superação por meio da chamada Revolução Brasileira para se chegar ao desenvolvimento.



A CRISE DAS INSTITUIÇÕES: MORRE UM BRASIL INGÊNUO


As relações de poder no Brasil, as formas tradicionais de exploração, começavam a ser postas em questão pelo progresso técnico e o desenvolvimento econômico. Ao mesmo tempo, a politização da opinião pública, ainda que restrita, apontava para a ampliação do voto de contestação aos padrões estabelecidos.. Na verdade, alteravam-se, dessa forma, os próprios fundamentos da dominação tradicional no campo, enquanto na cidade partidos e sindicatos empurravam para a frente as “Reformas de Base”.


Esse debate atingiu o conjunto da sociedade brasileira. Se, de início, o imaginário popular registrou de forma poética, porém ingênua, a saga de retirantes, favelados e de todos os abandonados pela sorte, logo em seguida caberia ao mundo intelectual e artístico a enunciação da linguagem estética do desenvolvimento, inspirada na questão agrária, a qual se popularizava nos meios urbanos e claramente tornava-se uma exigência da política nacional. Uma série de obras literárias, e artísticas em geral, voltavam-se para o mundo rural brasileiro e produziam um retrato dramático e comovente do país.


José Lins do Rego (1901-1957) produzia uma obra centrada na paisagem dos engenhos decadentes, de “fogo morto”, povoados por meninos e lobisomens; cangaceiros capazes de gestos generosos de proteção e de requintes de crueldade percorriam as páginas de Menino de engenho; Graciliano Ramos (1892-1953) transformava o drama social em experiências existenciais insuperáveis, quase sempre sem saída, como em São Bernardo, de 1934, ou Vidas secas, de 1938. O sucesso dessas obras é cada vez maior e as edições sucessivas comprovam a existência de um crescente público urbano voltado para a injustiça no campo.


O cinema desempenhou papel central em todo esse processo de tomada de consciência da realidade nacional. Na ausência da televisão, e para um povo que  olhava “as letras” com desconfiança, o cinema será o grande veículo capaz de levar a todos um retrato da injustiça, mostrar o que deveria mudar e onde residia o inimigo.


Nascia um cinema engajado, de revolta e crítica, que nesse momento toma uma feição definitivamente brasileira e assume o filão novo dos temas sociais, épicos e rurais. Depois de Ganga Bruta, de 1933, a idéia-força do campo como local de redenção, ou purgação, torna-se hegemônica, com ênfase em valores positivos, como lealdade e simplicidade, pretensamente inatos ao homem do campo. O trabalho na terra, o entregar-se à natureza, é retratado como um momento em que o homem (mesmo o urbano, desenganado) encontra-se consigo mesmo. É quase como a superação do estranhamento, tão típico da multidão anônima das cidades.


O cinema abre caminho a grandes adaptações de textos sobre o mundo rural para um público não habituado à nova literatura brasileira. A Companhia Cinematográfica Vera Cruz, nascida  em 1949 por iniciativa do empresário Franco Zampari, que no ano anterior havia criado o TBC (Teatro Brasileiro de Comédia), importará técnicos e diretores estrangeiros, principalmente italianos, para os enormes estúdios de São Bernardo do Campo,  sede da empresa. Essa importação dará às produções traços marcantes do neo-realismo e da sátira, anárquica, amarga e, simultaneamente, otimista do cinema italiano.


O sucesso de crítica e público abre caminho para a Vera Cruz investir em dois gêneros, agora definitivamente brasileiros e profundamente ambientados no campo. Embora com tratamentos diferenciados e visões de mundo opostas, parte-se, ainda uma vez, do homem do campo como ícone de retidão, lealdade e força. Surge o chamado Ciclo do Cangaço, particularmente com Lima Barreto, não mais ambientado no interior paulista, próspero e asséptico, mas no Nordeste, cenário da seca e da fome. Por outro lado, Amácio Mazzaropi (1912-1981) cria não exatamente um gênero, mas um tipo, o jeca, produto da ternura brasileira e cuja ingenuidade é mesclada de esperteza.


BOX 30: 1961: Jânio Quadros renuncia à Presidência da República.


BOX 31: 1962: Tom e Vinicius apresentam  Garota de Ipanema. Estréia O Pagador de Promessas, de Anselmo Duarte, ganhador da Palma de Ouro em Cannes. O Brasil é bicampeão de futebol no Chile.


BOX 32: É restaurado o presidencialismo no Brasil, que havia sido substituído, em 1961, pelo parlamentarismo, como forma de esvaziar a crise gerada com a renúncia de Jânio. Em 1963, após intensa campanha popular, João Goulart torna-se presidente do Brasil com os plenos direitos do Poder Executivo.


BOX 33: Golpe civil-militar derruba Jango e inicia um novo ciclo autoritário no país.


Ao misturar as estéticas do faroeste, da vanguarda soviética e do neo-realismo italiano em filmes como O Cangaceiro (1953),  produzido pela Vera Cruz (Prêmio do Festival de Cannes), Vítor Lima Barreto (1906-1982) inauguraria um gênero na cinematografia nacional, o Ciclo do Cangaço. Ao contrário da fase classicista da Vera Cruz, distinguida pela redenção, ou da configuração do jeca, marcado pela idéia de uma ternura brasileira, como já foi mencionado aqui, o cangaço dedica-se à exposição do banditismo social rural e se aproxima da idéia do homem cordial de Sérgio Buarque de Hollanda. Justo, duro e mesmo cruel, defende seus direitos e protege amigos e iguais.


Carlos Coimbra prosseguiria nesse caminho, em 1960, com A morte comanda o cangaço, em que um episódio de banditismo permite a criação de um panorama das injustiças sociais no campo; o próprio Coimbra se encarregaria de fornecer uma imagem idealizada, romântica e socialmente correta do bandoleiro em Lampião, o rei do cangaço, de 1963. Diferentemente da visão rica e multifacetada de Lins do Rego, Lampião é mostrado de forma esquerdizante, como um fora-da-lei-protetor-dos-pobres que traz justiça ao campo, mesmo por meio de extrema violência. Tratava-se, tanto em termos de linguagem fílmica quanto de enunciação ideológica, de um amplo rompimento com as visões negativas, ou, ao menos, pouco abonadoras do homem do campo.


Agora, rompia-se com o estereótipo do brasileiro preguiçoso, negaceador, indolente e conformado com seu destino triste, expresso, por exemplo, na figura do fanático ou do caipira. Claro, tal revolução estética nunca foi total. Por vezes, persistia a tipagem do homem conservador e mandrião, como em Jeca-Tatu, de Milton Amaral/Mazzaropi, rodado em 1959 e retomado pela mesma dupla em 1961, com Tristeza do Jeca.


Eram visões distintas do caipira e, em corolário, da própria História do Brasil. O imenso sucesso urbano, principalmente no eixo São Paulo/Minas Gerais, revela, em plena fase desenvolvimentista de JK, os preconceitos contra o trabalhador rural, sua recepção na cidade como não-partícipe do esforço nacional de construção de um país novo e industrializado.


O novo cinema, ou melhor, o Cinema Novo procurava  se distanciar o máximo possível da tradição da comédia-paródia, em que tudo acabava em samba e carnaval. Agora, a revolta e a vingança espreitam a cada injustiça e a solidão e a melancolia serão deslocadas estrategicamente: em triste se transforma o grande proprietário, como nas páginas de Graciliano Ramos e nas imagens de Leon Hirszman, que materializou São Bernardo (1973).


A questão agrária construía seus heróis e ícones, como em outros países.

O pagador de promessas (1962), de Anselmo Duarte (Palma de Ouro em Cannes, indicado para o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro), e Vidas Secas (1963), de Nélson Pereira dos Santos, culminaram no explosivo cinema de Glauber Rocha, com Deus e o diabo na terra do sol (1964) e O dragão da maldade contra o santo guerreiro (1969), também premiado no Festival de Cannes. Esses filmes compõem um imenso afresco combativo sobre o campo e assim decretava-se a morte da ingênua comédia rural brasileira; não havia espaço para dois estereótipos tão distintos do sertanejo.

O cinema apossava-se claramente da estética de Jean Manzon. Aliás,  quanto da estética revolucionária do cinema brasileiro, em especial do Cinema Novo, advém da fotografia do Mestre? Esta é uma hipótese de trabalho seminal. Primeiro, as fotos nas revistas nacionais, com seu olhar de folclorista, seu toque amoroso sobre os tipos brasileiros, e logo depois o jornal da tela, difundiriam um duro retrato em branco-e-preto da realidade nacional. Toda uma geração, os jovens do final dos anos cinqüenta, foi moldada no olhar mecânico das lentes de Manzon, no enquadramento rigoroso e no uso da luz e na construção de volume e forma de suas fotos.  Isso será, intensamente, a alma do cinema brasileiro engajado.



A CRISE, 1961-1964: A PERDA DA INOCÊNCIA


O debate ideológico e político transforma-se em batalhas partidárias. Os campos cindidos, grupos marcados, a rivalidade transformada em ódio. De um lado a UDN, União Democrática Nacional, com suas forças modernizantes, urbanas, conservadoras no plano político e liberais no plano econômico. Partido de feições modernas, defensor dos interesses empresariais e aliado aos Estados Unidos. De outro lado, o PTB, Partido Trabalhista Brasileiro, que reunia os “herdeiros do velho”, do desenvolvimentismo transformado em movimento popular e social. Eram reformistas, defensores de mudanças estruturais na sociedade brasileira e largamente influenciados por variações do marxismo; no plano internacional, alinhavam-se com os terceiromundistas.


O PSD, Partido Social Democrático, oscilava regionalmente entre alianças de ocasião. Agremiação mais conservadora, com bases rurais profundas no Nordeste e em Minas Gerais, temia as iniciativas do governo reformista de João Goulart (1961-1964), em especial  a extensão de direitos trabalhistas e sociais aos assalariados do campo, pois incitava “perigosa” junção entre os grupos urbanos e rurais que lutavam pelas Reformas de Base.


Tal projeto procuraria varrer de nossa história todas as velhas estruturas que impediam o desenvolvimento e o bem-estar social, ao garantir ampla participação política e melhoria do padrão de vida. Eram reformas de base a reforma agrária, a reforma bancária (combate à inflação), a reforma universitária (democratização da universidade e da escola), a fiscal, a eleitoral, etc. O Brasil deveria, assim, passar a limpo sua herança colonial e isso assustava as forças conservadoras do país, latifundiários à frente.


Naquele momento, as atenções do governo Goulart estavam voltadas para a situação do campo no Nordeste. Desde 1955, a partir de Pernambuco, formara-se entre canavieiros -- trabalhadores empregados no corte da cana-de-açúcar -- um forte movimento de luta contra os desmandos e o arbítrio secular dos latifundiários locais.  Considerava-se a extensão dos direitos trabalhistas ao campo e a formação de cooperativas autônomas os elementos centrais da luta, acompanhada da desapropriação de terras. Seu líder era Francisco Julião Arruda de Paula, advogado e deputado pelo PSB, Partido Socialista Brasileiro.


Em 1960, o The New York Times, influente jornal americano, publica longas matérias sobre as ligas camponesas organizadas por Francisco Julião, matérias que davam a entender que o Nordeste brasileiro estava pronto para se transformar em uma nova Cuba. Naquele momento o movimento dos trabalhadores rurais já reunia 250 mil associados e projetava-se em direção à Paraíba, Sergipe e Alagoas. O PSD, partido que em plano nacional apoiava João Goulart, minado em suas bases e seriamente preocupado com a expansão das ligas no Nordeste, começa a se voltar para a oposição. Ao mesmo tempo, Julião considera  tímidas as propostas reformistas do governo federal, enquanto as forças mais conservadoras do país super-avaliam a agudeza da crise com o intuito de tirar  proveito imediato.


A política federal para a região, guiada em larga escala pela SUDENE (Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste), presidida por Celso Furtado, via na agroindústria açucareira um obstáculo à reforma agrária. Eram terras demais que produziam açúcar de menos. Assim, a SUDENE planejava obrigar os grandes proprietários a restringir a área plantada e trocar terras por assistência técnica, o que incidiria sobre os preços internacionais. As demais áreas seriam utilizadas na reforma agrária, com a distribuição de lotes para a policultura de alimentos. A medida deveria gerar mais recursos, em divisas advindas do açúcar revalorizado, e aumentar a produção de alimentos, além de combater a inflação (que em 1962 havia chegado a 52%) e as crises de abastecimento.


Nesse clima, as ligas camponesas surgiam como afiadas garras do comunismo, o mesmo que se apoderara de Cuba em 1959, transformando-se no grande espantalho de liberais e conservadores em todo o continente.


Convém esclarecer que quando a oposição conservadora se une contra quaisquer mudanças, as autodenominadas “forças progressistas” se dividem quanto aos objetivos e ao ritmo das Reformas de Base. Pressionado ao mesmo tempo pela direita e a esquerda, o governo  avança em direção a seus objetivos. Bloqueado o caminho inicial no Congresso, Celso Furtado vale-se dos projetos regionais de desenvolvimento e elabora os fundamentos do Plano Trienal, cuja divulgação vai apavorar de vez os grandes proprietários, pois abria caminho para uma profunda transformação da “realidade nacional”.


Seria o deslanchar da esperada Revolução Brasileira.


No centro de todo o processo político, ainda sob o impacto da Revolução Cubana, estava a Questão da Reforma Agrária.  Ora, num país como o nosso, com exigências sociais abismais, a ampliação da cidadania só poderia ser vista como uma crise entre o Estado e os segmentos sociais que tradicionalmente controlavam a riqueza do país. Sem tentar exagerar as cores do quadro, poderíamos dizer que a incorporação dos trabalhadores rurais, entendida naquele momento pelo Estado e amplos setores reformistas da sociedade como extensão da legislação social ao campo, constituía o cerne da crise que eclodiria na década de 1960.


Não é estranho que seja no Nordeste do país, em especial na zona canavieira, que naquele momento a questão agrária se torne mais crítica. Alí, a tênue linha que separava o trabalhador rural do trabalhador fabril estava esgarçada; ao mesmo tempo, as exigências técnicas da produção e da concorrência, numa economia cada vez mais competitiva, implicavam redução de despesas e investimentos que modernizassem os processos produtivos. A indústria açucareira continuaria a explorar os “homens de vida amarga”, como no poema/denúncia de Ferreira Gullar:


O branco açúcar que adoçará meu café

nesta manhã de Ipanema

não foi produzido por mim

nem surgiu dentro do açucareiro por milagre.

Vejo-o puro

e afável ao paladar

como beijo de moça, água

na pele, flor

que se dissolve na boca. Mas este açúcar

não foi feito por mim.

Este açúcar veio

da mercearia da esquina e tampouco o fez o Oliveira,

dono da mercearia.

Este açúcar veio

de uma usina de açúcar de Pernambuco

ou no Estado do Rio

e tampouco o fez o dono da usina.

Este açúcar era cana

e veio dos canaviais extensos

que não nascem por acaso

no regaço do vale.

Em lugares distantes, onde não há hospital

nem escola,

homens que não sabem ler e morrem de fome

aos 27 anos

plantaram e colheram a cana

que viraria açúcar.

Em usinas escuras,

homens de vida amarga

e dura

produziram este açúcar

branco e puro

com que adoço meu café esta manhã em Ipanema.

(Açúcar, 1963)


Por fim, para completar uma das reformas básicas da sociedade brasileira, seria enviado ao Congresso Nacional um projeto de reforma agrária, projeto originado da promessa feita pelo presidente da República naquele célebre “Comício da Central do Brasil”, em 15 de março de 1964, no Rio de Janeiro, quando, ao lado de Miguel Arraes e Leonel Brizola, Goulart anunciou que iria erradicar do país “a estrutura econômica superada, injusta e desumana existente”, pois “não era lícito manter terra improdutiva por força do direito de propriedade”. Na sua mensagem ao Congresso, o governo propunha o direito de o Estado desapropriar as terras não-produtivas, a prioridade na produção de alimentos para o mercado interno e o rodízio de cultivos em todas as áreas, sendo a quarta plantação necessariamente de gêneros alimentícios.


Os grandes comícios e o apelo às massas urbanas faziam parte da estratégia de Jango para contornar o bloqueio que o Congresso Nacional exercia sobre qualquer política de reforma social. Com o domínio das ruas, o apoio dos sindicatos e de um imaginário esquema militar, o presidente acreditava dobrar a maioria conservadora da representação nacional.


O projeto da reforma agrária não chegou a ser votado. Na madrugada de 31 de março para 1ode abril de 1964, os tanques do Exército rolaram pelas estradas de Minas Gerais e de Pernambuco. Em conspiração com os governadores Magalhães Pinto, de Minas Gerais, Carlos Lacerda, do então Estado da Guanabara, e Ademar de Barros, de São Paulo, com  amplo apoio logístico dos Estados Unidos, as forças armadas derrubavam o governo democrático de João Goulart.


Iniciava-se o ciclo autoritário civil-militar (1964-1984) e o tempo presente para o Brasil e seu povo.


Ao retratar todas essas mudanças ao longo das décadas, Jean Manzon fez história pelas lentes de sua máquina fotográfica. Talvez tenha feito  mesmo sem o saber, movido pelo instinto, mas de qualquer forma conseguiu perceber o gigantesco processo de transformação pelo qual o país passava. Logo nos primeiros anos, vindo de um continente onde tudo estava pronto e acabado, Manzon  pôde entender um país onde tudo estava por fazer. Então, com inusitada sensibilidade, apreendeu as duas pontas da “Grande Transformação brasileira”: com a delicadeza do antiquário de toque sutil, removeu a pátina e expôs à luz uma nação invisível para os próprios brasileiros; revelou índios e negros, trabalhadores rurais, mulheres e velhos sem esperança.


O passado e a tradição eram  revolvidos do limbo da História com  precisão de museólogo e percepção de folclorista. Aqui e ali havia um gesto amoroso para com essas gentes e, bem ao contrário de muitos intelectuais brasileiros, o artista  não os inculpou  pelo atraso, o desdém e a ignorância. Do outro lado da mesma tensão, tratou com assombro a nova paisagem que emergia dos trabalhos e dos homens dispostos a construir nos trópicos um novo país. Para estes, dinâmicos, febris e fabris, dedicou um toque monumental, amplos espaços e grandes volumes -- e surpreendeu no ainda vazio a Nação que se erguia. Aqui, seu olhar, humano e mecânico, encarava o futuro de um povo.


Entre uns e outros não esqueceu o banal, o cotidiano e  mesmo o anedótico que compunha o repertório de grandes políticos e de pequenos homens mesquinhos. Aqui também desfilam o funcionário público e a corista do teatro de revista e é possível sentir o tumulto das ruas na grande cidade e a quietude do campo. O  fluxo do trânsito, as marcas do tempo, de aviões e carros de boi, trens e jangadas, tudo  foi imortalizado pela arte de Jean Manzon, rara testemunha da transformação do Brasil em Nação moderna.



* Francisco Carlos Teixeira Da Silva nasceu no Rio de Janeiro, 1954, formou-se em História, pela UFRJ, com mestrado em História Social na UFF e Doutorado na Universidade Livre de Berlim e na UFF. É Professor Titular de História Moderna e Contemporânea da UFRJ, Professor Emérito da ECEME e Professor Visitante na Escola de Guerra Naval, no Núcleo de Altos Estudos da Amazônia/NAEA e autor de vários livros, entre os quais O Século Sombrio (Campus, Rio, 2004). Ataualmente coordena o Laboratório de Estudos do Tempo Presente, da Universidade do Brasil.



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